segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A Primeira Cena

Saio de casa apreensivo. Impulsionado pela novidade, mas temeroso quanto ao meu real talento como ator. A pressão paterna para que seguisse a profissão veio desde o berço. O meu nome é uma corruptela de um famoso ator de TV, portanto desde sempre carreguei o fardo da profissão. Vou até o estúdio andando, pois meu dinheiro está curto desde que saí da casa dos meus pais. Finalmente chego em frente ao estúdio. Sou o primeiro a chegar aos famosos estúdios da Cinédia. Esperava algo mais grandioso, mas o que encontro é um galpão envelhecido, com enormes janelas sujas. Quando finalmente chega alguém, me apresento e finalmente adentro o estúdio. Por dentro sim ele assumia as características de um set de filmagens. De um lado, muitas roupas espalhadas pelo canto do galpão. Enormes torres de luz estão presentes em todo o estúdio, prestes a transformar aquele lugar lúgubre em um ambiente notadamente cinematográfico. Quanta diferença para o teatro que estava acostumado. Tudo é gigantesco, as câmaras parecem enormes seres metálicos prestes a nos engolir. E é assim que me sinto de início, acuado como um cão medroso, frente a um desafio único na minha vida.

Quando soube quem seria o diretor do filme, tremi nas bases. Sempre acompanhei a carreira do Geraldo Neto, e me ver sendo dirigido pelo próprio não estava nem em meus mais loucos devaneios. Encontro meus companheiros de cena e tendo puxar papo. Futilidades a mil rolam. Um quer saber qual seria a maquiagem perfeita para determinada cena. O outro coloca de lado seu texto. Parece autossuficiente demais. Lembro-me de meus dias intensos de ensaio desde que recebi todo o roteiro. Abusei um bocado dos meus colegas de quarto até altas horas da noite para passar as falas.

Finalmente adentra ao galpão o diretor Geraldo Neto. Os outros nem parecem conhecê-lo ou pouco se importam com a figura. Chego junto a ele e me apresento, amplamente temeroso com o tipo de recepção que teria. Ele parece distante, não sinto um entusiasmo em seu rosto, mas mesmo assim começo a discutir o texto com ele, inclusive tendo a audácia de propor mudanças logo rechaçadas. O primeiro take tem minha participação. Coloco-me a postos e finalmente começo a sentir a emoção que é participar de um filme. A minha voz é trêmula, o Geraldo percebe isso e me manda repetir o texto várias vezes. O alívio que sinto ao finalmente ouvi-lo mandando cortar é indescritível. Observo-o tentando animar e provocar os outros atores e caio na dele. Mesmo com todo o meu amadorismo, o teatro fez com que eu aprendesse várias técnicas para relaxar, decorar o texto com maior facilidade. Meus gestos são exagerados, a voz alta e empostada. Logo sou repreendido pelo Geraldo, que explica pacientemente a diferença entre as duas linguagens: “Meu caro Rony, aqui não teremos plateia distante para que você se faça ouvir. Confie na qualidade desses microfones que estão acima de sua cabeça. Qualquer problema de som direto, podemos gravar depois a sua fala. Mas seja o mais espontâneo possível”.

A próxima cena é de ação. Treinei absurdamente para isso. Sabia que o filme teria esses momentos de ação e então treinei muito para não fazer feio. Quando chego no estúdio, sou informado que algumas cenas mais perigosas seria substituído por um dublê. Prontamente neguei o auxílio e me coloquei a disposição das cenas mais perigosas. E essa seria bem complicada. Teria que lutar – e apanhar – de um antagonista. Isso tudo em cima de um muro estreitíssimo. Mesmo duvidando de minhas habilidades circenses assinei o Termo de Responsabilidade para assumir total culpa sobre minha decisão. Quando esperava que um assistente de filmagem mais novo filmasse a cena, eis que vejo o Geraldo caminhando com uma steadycam, em minha direção. O engraçado é que nem grua o mesmo decidiu usar. Ele queria sentir a cena de perto, portanto se colocou atrás de nós, atores, seguindo todos os nossos passos. Confesso que duvidei da sua habilidade para tais cenas. Sempre fui acostumado a vê-lo dirigir cenas de muito diálogo. Mas que bom que estava errado. Ele se equilibrava naquele muro bem perto da cena. Quis torná-la o mais realista possível. E assim foi. Antes de começar a cena, nos orienta: “Quero muito realismo na cena. Nada de socos e empurrões de mentira. Tentem ao máximo sentir-se dentro de uma luta verdadeira”.

Acabo a cena totalmente dolorido. Sento no muro e olho para baixo. Na adrenalina da filmagem mal pude perceber que não havia nenhum equipamento de segurança em caso de queda. E foi o quase aconteceu num momento mais ríspido da luta. Despeço-me do meu antagonista e mal olho para trás para ver a reação do diretor. Noto um certo desprezo dos outros atores. Estou acostumado a uma certa ciumeira no meio. Na próxima cena não participo. Fico sentado no canto relembrando minha próxima cena. Observo o movimento incessante dos técnicos e dos assistentes. Tudo é muito sincronizado. Cada um sabe exatamente seu lugar naquela engrenagem. Os tais seres metálicos pareciam não mais querer me engolir. Sei que tenho muito a aprender, mas ao fim daquele dia cansativo de filmagem pude compreender a extensão e a responsabilidade que tenho em minhas mãos. Agradeci discretamente ao Geraldo. Para diretores tão experientes quanto ele, você nem precisava falar muito. Apenas reproduzir em cena aquilo que ele passava para você. E assim o fiz, com a paixão daqueles que tentam entender o alcance da arte de representar.

sábado, 24 de outubro de 2009

De Volta Para o Futuro

Acordo tenso. Depois de um bom tempo de afastamento, finalmente vou voltar a dirigir um filme. Arrumo meu material com cuidado, nada pode ser esquecido. Tento encontrar dentre as minhas coisas antigas algo que me incentive nesse novo momento, que me faça lembrar dos antigos momentos de glória. Acho aquela cadeira de diretor lá encostada, totalmente suja, nem meu nome aparecia. Corro para o estúdio. Um filme passa por minha cabeça enquanto dirijo. Agora a realidade é bem diferente, realidade dura de quem volta totalmente sujeito a ordem de terceiros. Estaciono o carro e logo encontro o produtor com cara de poucos amigos. Chama-me no canto e declara taxativo: “Quero muita ação e pouca conversa. Temos um prazo curto para filmar. Então seja o mais objetivo possível, por favor!”. Concordo com a cabeça, meio contrariado. Tento dar uma dica simples de mudança no roteiro e sou repreendido: “Nada de mudanças. Filme o que está em suas mãos. Tem muitos diretores que gostariam de estar no seu lugar e te dei essa chance. Não me decepcione!”.

Entro no estúdio e verifico o ambiente de correria ao meu redor. Pergunto pelos atores que estão envolvidos no projeto e pelas pessoas da produção que trabalharão diretamente comigo. Vejo um bando de garotos conversando futilidades num canto do estúdio. Informam-me que são eles que vão trabalhar no filme. Sou apresentado a eles no primeiro dia de filmagem, algo impensável nos meus filmes anteriores. Tento demonstrar interesse no projeto, incentivo aqueles atores notadamente amadores para darem o máximo de si para conseguirem corresponder à chance que lhes foi dada. Passo todas as instruções ao pessoal da direção de arte, escuto atentamente o diretor de fotografia, que me repassa todas as marcações de cena. Finalmente sento naquela cadeira mágica, agora puída depois de tanto tempo sem ser usada. Sinto um frio na espinha, ela já não me parece tão confortável quanto das outras vezes. Dou dez minutos para os atores e todos os outros envolvidos se colocarem em posição. Nesse momento, vejo aquele rapaz afastado de todos os outros, totalmente concentrado no seu texto, mas com um olho atento em todas as minhas orientações. Ele vai se aproximando aos poucos, amplamente tímido, mas demonstrando nos seus olhos brilhantes uma grande sede de aprender. Senta ao meu lado e tenta discutir o texto. Ele sabe que o roteiro não é grande coisa e tenta me provocar para que possa melhorá-lo. Lembro das orientações que me foram passadas pelo produtor e explico ao rapaz que infelizmente pouco posso fazer a respeito.

Finalmente chega a hora do primeiro take. Seria uma cena crucial para o filme, envolvendo muita emoção. Incentivo ao máximo os envolvidos na cena. Tento provocar neles uma excitação que nem eu mesmo sentia no momento. Invoco a memória de atores que trabalharam comigo, dou dicas de posicionamento e de postura diante da cena. Mesmo assim, tenho que filmar pelo menos umas seis vezes a mesma seqüência. Noto que terei problemas para cumprir os prazos estipulados. Os atores são muito verdes, sei que não terei o tempo que queria para ensaiá-los. O rapaz que se aproximou de mim se chama “Rony Tamos”, homenagem meio estranha a um dos grandes atores brasileiros. Ele aos poucos vai perdendo o nervosismo de iniciante e dando um show de interpretação. Tento incentivar os outros colegas em cena, mostro como elas devem ser feitas, me ponho no lugar deles para ver se tiro um pouco de entusiasmo.

Na hora da cena mais perigosa do dia, mando um assistente de direção convocar um dublê. Logo sou informado que ele não seria necessário, que o Rony se dispôs a fazer a cena sem a presença de um dublê. Noto uma apreensão na voz do assistente, mas falo que assinando um termo de responsabilidade, não teria porque eu renegar esse desejo do ator. Normalmente nessas cenas que exigiriam mais de mim, colocava meu assistente para filmar enquanto eu ficava assistindo da telinha, sentado confortavelmente na minha velha cadeira de guerra. Mas dessa vez resolvo fazer diferente. Dispenso o assistente e vou eu mesmo filmar a cena. Ele se assusta, indaga que talvez eu não tenha nem idade nem preparo físico para tanto, mas de pouco adianta. Nunca me arrisquei tanto na vida, mas valeu à pena. Mesmo tendo que filmar a cena pelo menos umas cinco vezes, me senti um pouco como um diretor iniciante, cheio de energia. Finalmente, depois de tanta apreensão, esboço um sorriso verdadeiro. As tomadas seguem em ritmo lento, mas sinto um ar diferente no set, que vai me contagiando também. Aquela cadeira de diretor, prova do quão importante eu fui para a sétima arte, agora parecia mais confortável.

Sinto-me exausto, mas mesmo assim saio um pouco da posição de diretor para ajudar a arrumar o set para o próximo dia de filmagens. Ajudo a escolher os melhores ângulos para a próxima cena. Olho a previsão de tempo para ver se seria possível gravar as cenas externas. Uso minha experiência para ajustar a seqüência de filmagens de modo a evitar atrasos desnecessários. Passo a ser um pouco de tudo no filme: diretor de arte, diretor de fotografia, assistente de direção. E eles não se sentem invadidos, pois sabem que a experiência que adquiri em muitos anos de estrada estão ali ao favor daquele filme sem grandes pretensões.

No final do dia, chega o produtor mais uma vez estressado, e tenta me trazer de volta à realidade ingrata. Mas não consegue. Despeço-me de todos com uma sensação magnífica de dever cumprido. Quando encerro o dia de trabalho, ouço palmas ecoarem pelo set. Até parecia final do filme. Mas não, era sim o recomeço de minha vida.

domingo, 11 de outubro de 2009

Desterro (Reginaldo Rossi) - Celso Sim, Karina Buhr

Mais uma favorita da casa. Senhorita Karina Buhr, do Cumade Fulozinha, cantando uma belíssima música do Reginaldo Rossi (guilty pleasure?). Ela pertence ao vasto mundo criativo de Pernambuco. Mistura elementos populares com música eletrônica e tem uma voz e um estilo de cantar bem diferentes do que se coloca no mainstream. Apreciem! :)

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Cangote - Making Of

Um making of bem legal da gravação dessa música da Céu. Com um componente extra: uma das últimas participações do "Gigante Brasil", que está entre os grandes bateristas da terra brasilis, que morreu em 29 de setembro de 2008, aos 56 anos de idade!

CéU - Cangote

Acho um erro colocar a Céu no balaio de novas cantoras brasileiras. Acho que ela se encontra num lugar a parte. Quando a ouvi pela primeira vez tive a mesma sensação que tive ao ouvir a Bjork pela primeira vez. Não existe nada parecido com o "soco" que você toma quando a ouve pela primeira vez. O cuidado com a produção. Os "barulhinhos" que vão se incorporando aos poucos aos sons, fazendo você ter uma nova descoberta a cada vez que ouve uma música. Letras que se não são geniais, "encaixam" perfeitamente no que ela propõe. Aquele clima "enevoado", com uma voz de uma sutileza ímpar, que se não possui a potência vocal que por momentos passamos a valorizar, tem a leveza de quase que hipnotizar você por alguns minutos. Segue "Cangote", música do seu segundo trabalho!

JOÃO BOSCO - incompatibilidade de gênios (ao vivo)

Gênio! Palavra meio forte, não? Por vezes tão abusadas. Por isso tenho tanto receio em usá-la. Poucas exceções abro nesse "pé atrás". Esse cara é uma delas. Criou um estilo "João Bosco" de cantar e tocar. Faz malabarismos vocais e sonoros perfeitos. Ainda acho que falta um pouco de reconhecimento por parte do público. Mas talvez ele nem queira isso. Queira trabalhar à margem, onde possa compor e executar com extrema maestria e sem grandes cobranças suas canções. No seu último CD, retorna uma parceria que estava de molho por motivos pessoais: João Bosco e Aldir Blanc. A casa recomenda um dos grandes clássicos do virtuose pé no chão. Apreciem sem moderação!

sexta-feira, 3 de julho de 2009

António Zambujo - Foi Deus (Trindade)

Outra descoberta por acaso. Cantor da nova geração portuguesa, o Zambujo está renovando o fado, música tradicional portuguesa.

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