sábado, 24 de outubro de 2009

De Volta Para o Futuro

Acordo tenso. Depois de um bom tempo de afastamento, finalmente vou voltar a dirigir um filme. Arrumo meu material com cuidado, nada pode ser esquecido. Tento encontrar dentre as minhas coisas antigas algo que me incentive nesse novo momento, que me faça lembrar dos antigos momentos de glória. Acho aquela cadeira de diretor lá encostada, totalmente suja, nem meu nome aparecia. Corro para o estúdio. Um filme passa por minha cabeça enquanto dirijo. Agora a realidade é bem diferente, realidade dura de quem volta totalmente sujeito a ordem de terceiros. Estaciono o carro e logo encontro o produtor com cara de poucos amigos. Chama-me no canto e declara taxativo: “Quero muita ação e pouca conversa. Temos um prazo curto para filmar. Então seja o mais objetivo possível, por favor!”. Concordo com a cabeça, meio contrariado. Tento dar uma dica simples de mudança no roteiro e sou repreendido: “Nada de mudanças. Filme o que está em suas mãos. Tem muitos diretores que gostariam de estar no seu lugar e te dei essa chance. Não me decepcione!”.

Entro no estúdio e verifico o ambiente de correria ao meu redor. Pergunto pelos atores que estão envolvidos no projeto e pelas pessoas da produção que trabalharão diretamente comigo. Vejo um bando de garotos conversando futilidades num canto do estúdio. Informam-me que são eles que vão trabalhar no filme. Sou apresentado a eles no primeiro dia de filmagem, algo impensável nos meus filmes anteriores. Tento demonstrar interesse no projeto, incentivo aqueles atores notadamente amadores para darem o máximo de si para conseguirem corresponder à chance que lhes foi dada. Passo todas as instruções ao pessoal da direção de arte, escuto atentamente o diretor de fotografia, que me repassa todas as marcações de cena. Finalmente sento naquela cadeira mágica, agora puída depois de tanto tempo sem ser usada. Sinto um frio na espinha, ela já não me parece tão confortável quanto das outras vezes. Dou dez minutos para os atores e todos os outros envolvidos se colocarem em posição. Nesse momento, vejo aquele rapaz afastado de todos os outros, totalmente concentrado no seu texto, mas com um olho atento em todas as minhas orientações. Ele vai se aproximando aos poucos, amplamente tímido, mas demonstrando nos seus olhos brilhantes uma grande sede de aprender. Senta ao meu lado e tenta discutir o texto. Ele sabe que o roteiro não é grande coisa e tenta me provocar para que possa melhorá-lo. Lembro das orientações que me foram passadas pelo produtor e explico ao rapaz que infelizmente pouco posso fazer a respeito.

Finalmente chega a hora do primeiro take. Seria uma cena crucial para o filme, envolvendo muita emoção. Incentivo ao máximo os envolvidos na cena. Tento provocar neles uma excitação que nem eu mesmo sentia no momento. Invoco a memória de atores que trabalharam comigo, dou dicas de posicionamento e de postura diante da cena. Mesmo assim, tenho que filmar pelo menos umas seis vezes a mesma seqüência. Noto que terei problemas para cumprir os prazos estipulados. Os atores são muito verdes, sei que não terei o tempo que queria para ensaiá-los. O rapaz que se aproximou de mim se chama “Rony Tamos”, homenagem meio estranha a um dos grandes atores brasileiros. Ele aos poucos vai perdendo o nervosismo de iniciante e dando um show de interpretação. Tento incentivar os outros colegas em cena, mostro como elas devem ser feitas, me ponho no lugar deles para ver se tiro um pouco de entusiasmo.

Na hora da cena mais perigosa do dia, mando um assistente de direção convocar um dublê. Logo sou informado que ele não seria necessário, que o Rony se dispôs a fazer a cena sem a presença de um dublê. Noto uma apreensão na voz do assistente, mas falo que assinando um termo de responsabilidade, não teria porque eu renegar esse desejo do ator. Normalmente nessas cenas que exigiriam mais de mim, colocava meu assistente para filmar enquanto eu ficava assistindo da telinha, sentado confortavelmente na minha velha cadeira de guerra. Mas dessa vez resolvo fazer diferente. Dispenso o assistente e vou eu mesmo filmar a cena. Ele se assusta, indaga que talvez eu não tenha nem idade nem preparo físico para tanto, mas de pouco adianta. Nunca me arrisquei tanto na vida, mas valeu à pena. Mesmo tendo que filmar a cena pelo menos umas cinco vezes, me senti um pouco como um diretor iniciante, cheio de energia. Finalmente, depois de tanta apreensão, esboço um sorriso verdadeiro. As tomadas seguem em ritmo lento, mas sinto um ar diferente no set, que vai me contagiando também. Aquela cadeira de diretor, prova do quão importante eu fui para a sétima arte, agora parecia mais confortável.

Sinto-me exausto, mas mesmo assim saio um pouco da posição de diretor para ajudar a arrumar o set para o próximo dia de filmagens. Ajudo a escolher os melhores ângulos para a próxima cena. Olho a previsão de tempo para ver se seria possível gravar as cenas externas. Uso minha experiência para ajustar a seqüência de filmagens de modo a evitar atrasos desnecessários. Passo a ser um pouco de tudo no filme: diretor de arte, diretor de fotografia, assistente de direção. E eles não se sentem invadidos, pois sabem que a experiência que adquiri em muitos anos de estrada estão ali ao favor daquele filme sem grandes pretensões.

No final do dia, chega o produtor mais uma vez estressado, e tenta me trazer de volta à realidade ingrata. Mas não consegue. Despeço-me de todos com uma sensação magnífica de dever cumprido. Quando encerro o dia de trabalho, ouço palmas ecoarem pelo set. Até parecia final do filme. Mas não, era sim o recomeço de minha vida.

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